exposição de livros de artista no Mosteiro/Quartel da Serra do Pilar
Sala das Armas, Quartel da Serra do Pilar
"O anjo caído", 2015
Livros que nos caem nos braços, seguros pelas mãos de
delicadas conexões. Tenho andado a reler e a redescobrir livros e textos e
poemas que têm o Porto na alma, que «representam o estado de alma do poeta nas
variadas, incertas e vacilantes oscilações do espírito». E entre as leituras, ao
deparar-me com o poema “anjo caído”, in Folhas
caídas (1853), do Almeida Garrett, surgiu-me uma imagem outrora fotografada
por mim numa visita às oficinas da actual Fundação José Rodrigues, no Porto. Suspensa
no tecto, pendurada numas correntes de ferro, pendia uma escultura serena, com
o ar condizente ao que podia ser a representação de um anjo, ou do que a ser um
anjo poderia ter sido uma mulher que se abandonara ao espanto de poder ter sido
uma sereia. A possibilidade de um suicídio ou de um martírio foi toldando a
serenidade e vi, rodando em volta da escultura, a transfiguração do rosto em
diversas perspetivas. Uma outra fotografia se iluminou nos meus pensamentos, a
de um farol no paredão do Passeio Alegre, num dia de mar encrespado e de
intensa neblina. Acresce a um sentimento passivo, contemplativo, a suspensão do
desconhecido, o aumento da pulsação e a extensão-complemento romântico da
trama, e tal como uma onda que embate estrondosa estilhaçando rochas solta-se
no poema um grito semelhante à fragilidade de umas asas quebradas. Assim se
transcreveu na transparência o poema em páginas e se “o anjo à vida não volveu” na arte deixou rumores e nos sonhos as asas.
Texto: Cristina de OAlves (Madame Zine)
Técnicas/Materiais: Transferência fotográfica sobre tela, tinta acrílica com gesso, tela sobre
bastidor de madeira e dobradiças, penas, cartão, papel de acetato, tinta branca
de transferência para acetato, transcrição do texto/fragmento do poema “anjo
caído” de Almeida Garrett
As cidades revelam-se e pergunto-me com os pés no ar como revelar uma cidade transferindo o que dela em nós se edificou. E pouso os pés, se eu tivesse de escolher um escritor do Porto, que me tivesse revelado o Porto, escolheria vários mas seleccionaria três, Sophia de Mello Breyner, Agustina Bessa-Luís e Eugénio de Andrade. Se tivesse de escolher um pintor para representar o Porto era o Jaime Isidoro. E sigo a pé pelas ruas, observando, uma cor seria o azul e uma imagem seria o azulejo. Azul, contudo, a densidade portuense, tal como a neblina, é branca, tal como a junção de todas as cores do espectro visível. E quando caminho, sinto esta densidade que vibra na memória do som da cidade onde vivo, da poesia e do mar, e tudo me ocorre e está ali, aqui, em mim. É como dizer de modo mais simples o complexo, que as cidades têm ruas que se cruzam, então quando deambulo por aí, às vezes, parece-me que o Porto é só uma rua, de múltiplos sentidos, com várias artérias convergentes, um mapa em aberto que vou lendo e redesenhando enquanto admiro as obras dos seus artistas e a vida das suas gentes.
Texto: Cristina de OAlves (Madame Zine)
Texto: Cristina de OAlves (Madame Zine)
Técnica/Materiais: Conjunto de 5 peças (ao todo 10 telas sobre bastidores de madeira unidas com dobradiças, com aplicação da técnica de transferência fotográfica sobre as telas e tinta acrílica com gesso), imagens e texto impressos em papel cartão, mapa do Porto recortado, som da cidade com leitura de texto e fragmentos de diversos poemas, de Eugénio de Andrade, Sophia de Mello e Breyner Andressen e Agustina Bessa Luís.
MZ & José Rosinhas, comissário da exposição de livros de artista da Bienal de Gaia!