Ainda em fase de preparação, mais um livro de artista dedicado e pensado a partir da obra do escritor português Camilo Castelo Branco. Todos os livros de artista que remetem para uma intervenção minha ou uma reconstrução sobre um livro já publicado têm acontecido pelo acaso dos encontros. Vêm parar às minhas mãos, ou em feiras de velharias, ou lojas de antiguidades, antiquários, ou mesmo em pesquisas temáticas na internet e depois disso a curiosidade desperta, as ideias acontecem e a necessidade de construir algo torna-se uma energia captadora de novas pesquisas e afazeres. Aliás, se me perguntam qual o meu método esse é quase sempre o seu início, o acaso quando se cruza com a vontade revela(nos). E foi assim que fui descobrindo o Camilo como autor de inúmeros livros, de uma quantidade (para além da qualidade) imensa, e cujo espanto tem sido o meu maior motivo de trabalho em volta e sobre alguns dos seus textos. Aqueles que me têm surpreendido mais são traduções e/ou livros "mistério" que supostamente ele os fez mas pouco se sabe ainda sobre eles.
Descobrir um livro que se chama "um livro" foi um desses momentos de feliz despertar da curiosidade.
Como diz o próprio prefácio da obra:
"Um livro... Um livro! O título não diz nada à força de dizer tudo. Que
pensamento dominaria o autor quando assim batizava a sua obra? Seria o
espírito da vaidade ou do orgulho que entendera haver escrito o livro por
excelência nos versos que dava ao mundo? Seria antes fantasia de poeta que
deixava no indefinido o que era talvez indefinível? É certo que o misterioso tem
a atração do espírito; é certo que a vontade se prende ao desconhecido; é certo
que a fantasia se compras de se demorar no enigma.
(...)
Transcrever aqui os trechos que mais nos impressionaram fora tarefa prolixa e
improveitosa. O livro é tão repassado de melancolias que num momento os 13
nossos rostos imberbes assumiram as tintas daquela tristeza suave que formam
o seu fundo e o seu tom característico. Estávamos identificados com o poeta. A
isso nos convidava a primeira estrofe do poema:
Soledade, triste amiga,
vim buscar nos teus afagos
suavidade à minha cruz;
dá-me aqueles sonhos vagos,
aquelas crenças ditosas,
em que a alma folga e espera
paz e amor, esp’rança e luz.
Era um coração que se nos apresentava triste foi-nos bem-vindo assim.
Começava a narração dos suaves amores do poeta; amores entrelaçados de
açucenas e saudades, de inocências e amarguras.
(...)
***
Camilo: Já vê; escrevi de si o menos que podia; menos, muito menos do que
devia.
Não o coloco abaixo nem acima de pessoa alguma; não o quis comparar. O lugar
que lhe pertence na hierarquia literária não é nem pode ser mercê de ninguém.
A liturgia pára onde começam as legitimas conquistas. O que o seu talento lhe
ganhou, é seu por direito próprio. Negar-lho é um crime; oferecer-lho uma
indelicadeza.
Sei que Um livro não é a sua obra predileta; acusa-lhe muitos defeitos, e alguns
terá; mas eu não vejo nele senão o muito que lhe quero. 18
Consinta pois que no princípio ou no fim da terceira edição fique nele o meu
nome subscrevendo este singelo documento da muita admiração e amizade que
lhe consagra.
Lisboa, 8 de Setembro de 1865
Tomás Ribeiro"